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Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte II
São Paulo, Ano XIII - Edição 2907
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03.08.2006, sendo que atualmente possui 13 (treze) anos (fls. 11 e 124). Isto significa que, no mínimo, conviveram juntos o
menor com o requerente, em contexto de paternidade, por cerca de quatros anos. Isto demostra que houve a construção de um
afeto e, posteriormente, foi rompido com as desconfianças do requerente, que procura responsabilizar o filho - ao qual, aliás,
deu o próprio nome! - pelas desavenças emocionais havidas (e que aparentemente ainda persistem e espraiam seus deletérios
efeitos) entre ele e a genitora do menor, como seu comportamento de indiferença em relação às consequências de sua pretensão
deduzidas neste feito perante o Setor Técnico psicossocial do Juízo, reportando o adolescente à genitora. Se o relacionamento
afetivo entre pai e filho foi construído em algum momento da vida e, posteriormente, foi interrompido, seja por brigas ou por
desafetos, deve-se preservar a existência do vínculo socioafetivo: A declaração de vontade de reconhecimento voluntário de
filiação é irretratável. Se o vínculo registral é irrevogável, pois ninguém pode vindicar estado contrário ao que consta do registro
(CC 1.604); se a adoção é irrevogável (ECA 39, §1°); também assim é a filiação socioafetiva. Afinal, deve prevalecer, de forma
absoluta, o melhor interesse de crianças e adolescentes (CF 227), princípio reiteradamente ratificado pelo ECA (1°, 6°, 15 e 19).
(MARIA BERENICE DIAS, filhos do afeto, p. 52). Nesta ótica, o importante não é o desaparecimento do afeto, mas quando o
afeto surgiu: O laço socioafetivo depende, por óbvio, da comprovação da convivência respeitosa, pública e firmemente
estabelecida. Todavia, não é preciso que o afeto esteja presente no instante em que é discutida a filiação em juízo. Não raro,
quando se chega às instâncias judiciais, é exatamente porque o afeto cessou, desapareceu, por diferentes motivos (não sendo
razoável discuti-los). O importante é provar que o afeto esteve presente durante a convivência, que o afeto foi o elo que
entrelaçou aquelas pessoas ao longo de sua existência. (FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson; NETTO, Felipe
Braga. Manual de Direito Civil. p. 1821). Sendo assim, independentemente do requerente saber ser o pai biológico do menor
Willian quando nasceu ou de ter registrado o menor, fato é que houve uma construção socioafetiva entre ambos e, por mais que
agora quase inexista a afetividade entre estes, deve-se o requerente ser considerado pai socioafetivo, inclusive porque, perante
a genitora dos requerentes, a figura avoenga revelou-se nítida e, mais que isso, atualmente presente (talvez por ter logrado,
dentro da maturidade que se espera de figura adulta, dissociar os infantes dos conflitos emocionais dos pais), a militar fortemente
contra a pretensão autoral. Trata-se de solução, aliás, que melhor se afeiçoa ao interesse da criança, esculpido nos artigos 227,
caput, da CF e art. 1º, ECA (Best Interests of the Child), pois como foi visto nos autos, a criança sentia afeto pelo requerente, o
qual foi se desgastando por iniciativa do próprio requerente diante do desinteresse deste em manter o contato. Ora, se o menor
sentia um afeto pelo requerente e via este próximo a uma figura paterna, certo é que o desafeto não é capaz de romper este
vínculo. Sobre o tema, vale colacionar a tese desenvolvida por Belmiro Pedro Welter, o qual construiu a teoria tridimensional do
Direito de Família, entendendo que o ser humano é, a um só tempo, biológico, afetivo (ou desafetivo) e ontológico, os quais
compõem os três mundos do ser humano. No tocante ao desafeto, importante mencionar que o aparente desafeto levado em
Juízo, por si só, não invalida por completo os laços socioafetivos, ou seja, devem-se levar em conta os demais elementos que
compõe o ser humano: Deve ser desmistificada a ideia de que na família é conjugado somente o verbo amar, porque ela encobre
o mundo do desafeto, da desunião, da guerra familiar, da desumanidade, do preconceito, da ofensa física e verbal, da ausência
de solidariedade. No ser humano reside uma linguagem não familiar (do desafeto), pelo que o texto do direito de família não
significa normatização genética, mas, sim, existência genética, afetiva e ontológica. Quando o intérprete compreender que na
família está automaticamente inserida a linguagem desafetiva, a partir daí estará em condições de compreender a linguagem
familiar, do amor, do afeto, da harmonia, do diálogo, da hermenêutica, da igualdade, da paz entre os seus membros. (...)
Portanto, o ser humano, por vezes, está afetivo (um modo de ser no mundo-afetivo), mas, em outros momentos, está desafetivo
(um jeito de ser no mundo desafetivo), motivo pelo qual há necessidade da produção do direito, da realidade da vida, buscando
o sentido do texto do direito de família, da aplicação concreta da coisa mesma (do exame das circunstâncias concreta da
questão jurídica). Isso porque o estado de humor (de afeto e de desafeto), segundo Heidegger, não é em si mesmo algo psíquico,
um estado interior, mas, sim, um existencial, eventos, episódios, que se mostram por si mesmo, obtendo a cada leitura uma
nova compreensão do texto do direito de família, o que impede a reprodução do direito. Quer dizer que a família pode ser afetiva
e, outras vezes, desafetiva, contendo afeto, desamor, violência doméstica e familiar, uma vez que, ao mesmo tempo, cega e
ilumina os humanos, fazendo parte da existência, da linguagem e da condição humana, do modo de ser-no-mundo-afetivo-edesafetivo. O afeto não é apenas um direito fundamental individual e social de afeiçoar-se ao outro ser humano (artigo 5º,
parágrafo 2º, da Constituição do País), como também um direito à sua integridade humana tridimensional. Ainda, no que tange
ao vício de consentimento, importante mencionar que não existem nos autos provas robustas que comprovem que houve vício
de consentimento. Além disso, mesmo que houvesse prova de que houvesse erro, dolo, coação, simulação ou fralde, o vício
atingiria tão somente o registro e, possivelmente, o vinculo biológico. Isto porque seria ilógico o vício de consentimento atingir a
relação socioafetiva, uma vez que esta existiu à toda evidência, tanto que o infante fora registrado com o próprio nome do autor.
Ora, qual seria o erro, dolo, ou fraude em amar alguém mesmo que depois esta relação tenha se acabado ou seja, é possível
amar alguém errado, ou ser induzido dolosamente alguém a amar, sendo o amor então “viciado”. Ou pior, seria possível transferir
o amor para o campo dos “negócios jurídicos”, seria possível dizer que o amor ou afeto é anulável? Digamos que considerássemos
a existência do vício de consentimento, que acarreta a anulabilidade do negócio jurídico (art. 171 do CC), seria possível dizer
que o amor ou afeto é anulável depois que ele foi construído, estaria sujeito aos efeitos “ex nunc”, esquecendo-se de todo o
afeto que foi dado no passado, ou ainda, haveria decadência, e a partir de qual data contaria para o ajuizamento da ação, data
em que se “realizou” o afeto (art.178, inciso II), pois se contar da data em que nasceu o afeto, o direito já teria decaído (fl. 123).
Sendo assim, não é possível transferir o afeto que começou entre o requerente e o menor Willian para o campo do vício do
consentimento ou da anulabilidade, por um motivo muito simples, o afeto não está atrelado ao plano da validade do negócio
jurídico (escada ponteana), o qual é atacado pela nulidade ou anulabilidade, mas o afeto reside no plano da existência, sendo
que somente poderia ser atacado pela inexistência. Isto quer dizer que, apenas se nunca tivesse havido um mínimo de afeto
entre requerente e o menor é que poderia considerar a hipótese de inexistir o vínculo socioafetivo e, por consequência, exonerar
o requerente das responsabilidades contraídas pela filiação. Deveras, o direito de família passa por uma contratualização na
atualidade. Porém, não se pode perder de vista que o Direito de Família é dividido em Direito Existencial - Centrado na pessoa
humana (ordem pública) - e em Direito Patrimonial - Centrado no Patrimônio (norma de ordem privada). Destarte, a
contratualização dentro do Direito de Família está mais atrelada com os aspectos patrimoniais da relação. Tanto é assim que
hoje em dia surgem contratos como de namoro, de convivência, de casamento, todos visando reflexos patrimoniais. Com isso, o
afeto até pode ser colocado dentro de um plano contratual, porém o afeto está mais atrelado ao Direito Existencial e ao princípio
da dignidade da pessoa humana (art. 1.°, III, da CF/1988), não podendo ser considerado uma simples declaração de vontade
entre as partes. Assim, o afeto merece ser tratado como uma realidade digna de tutela, posto que reside no campo existencial
do ser humano (teoria tridimensional do Direito de Família). Dessa forma, o requerente é obrigado por quem ama ou já amou:
“Os relacionamentos afetivos geram obrigações mútuas, direitos e deveres de parte a parte. E, quando se fala em afeto e
responsabilidade, sempre vem à mente a famosa frase de Saint-Exupéry: você é responsável pelas coisas que cativa! Não se
pode deixar de visualizar nesse enunciado a origem do Direito das Famílias. Basta a existência de um comprometimento mútuo
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º