Disponibilização: segunda-feira, 6 de maio de 2019
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III
São Paulo, Ano XII - Edição 2801
2092
(OAB 143928/SP), RICARDO AUGUSTO MORGAN (OAB 256637/SP), LUCAS ADAMI VILELA (OAB 331465/SP)
Processo 1011104-60.2018.8.26.0577 - Procedimento Comum Cível - Promessa de Compra e Venda - Elza Hitomi Takata
Kanematsu - - Henrique Hiroshi Kanematsu - Alphaville São José dos Campos Empreendimentos Imobiliários Ltda - - M M V
Incorporadora Ltda - Vistos. Trata-se de “ação ordinária condenatória c. c. cobrança de multa contratual c. c. perdas e danos”
que movem ELZA HITOMI TAKATA KANEMATSU e HENRIQUE HIROSHI KANEMATSU contra ALPHAVILLE SJC
EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. e M. M. V. INCORPORADORA LTDA. Consta da inicial que os autores se dirigiram
ao stand de vendas do empreendimento denominado Alphaville São José dos Campos e lá adquiriram um lote de terreno, cujo
prazo de entrega estava previsto para 22 de fevereiro de 2014. No entanto, os imóveis somente foram entregues aos 16 de julho
de 2015, o que caracteriza inadimplemento contratual. Alegam que durante este período pagaram o IPTU e o condomínio do
imóvel, embora não estivessem na posse do bem. Ainda, que a cláusula 17 do contrato previa o pagamento de multa de 10% do
valor atualizado do preço de aquisição do lote para o caso de atraso na entrega do bem. Requerem, assim, a condenação das
requeridas ao pagamento da multa contratual, no valor de R$ 76.231,08 e ao reembolso das quantias que pagaram a título de
IPTU e condomínio antes da entrega dos imóveis. Atribuíram à causa o valor de R$ 76.231,08. Houve emenda da inicial às fls.
91 para retificar o valor da causa para R$ 84.748,31. Citadas, as requeridas ofereceram contestação (fls. 104/115). Suscitam
preliminar de ilegitimidade passiva ad causam para responder ao pedido de restituição das despesas condominiais pagas pelos
requerentes, pois é a associação de moradores que as recebe. No mérito, alegam ser impossível a aplicação da cláusula
décima sétima do contrato, porque “não cometeram qualquer infração”, já que a entrega do empreendimento foi afetada por
impasses burocráticos e pelo encontro de um artefato indígena no local, que impediu o prosseguimento das obras. Por outro
lado, sustentam que o contrato previu expressamente a responsabilidade dos adquirentes pelo pagamento do IPTU a partir de
sua assinatura, desde que individualizado o lançamento do tributo, sem qualquer ilegalidade ou abusividade; como os autores
eram possuidores do imóvel, por força do contrato, devem arcar com o pagamento do aludido imposto. Requerem, assim, o
julgamento de improcedência da ação. Réplica às fls. 311/322. Foi dada oportunidade para especificação de provas. As partes
pediram o julgamento antecipado da lide, fls. 325 e 326. É o relatório. Decido. O feito comporta julgamento antecipado, nos
termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, não havendo necessidade de se produzir outras provas, tratando-se
de matéria de direito. A preliminar suscitada pelas requeridas se confunde com o mérito, e com ele será analisada. A ação é
procedente. É fato incontroverso nos autos que os autores adquiriram um lote residencial das requeridas, conforme faz prova o
contrato acostados às fls. 19/41. Considerando-se o prazo contratualmente previsto sobre o qual não há qualquer insurgência
das requeridaas os imóveis deveriam ter sido entregues aos 22 de fevereiro de 2014. Não obstante, a conclusão das obras e a
consequente entrega do empreendimento se deram tão somente aos 16 de julho de 2015 (fls. 3), fora, portanto, do prazo de
tolerância previsto em contrato, fato não controvertido pelas requeridas. Em sua defesa, as rés alegam que não houve
inadimplemento ou atraso na conclusão das obras, haja vista que os fatos ocorridos se deveram a causas externas (encontro de
um artefato indígena dentro do perímetro do loteamento e “impasses burocráticos” que fizeram com que a aprovação e
regularização do empreendimento se atrasassem por culpa do Poder Público). No entanto, estes alegados “entraves
administrativos” se configuram como fortuito interno, inerente à atividade empresária que as requeridas desenvolvem. Segundo
a doutrina de Agostinho Alvim, estes fatos são ligados à própria atividade geradora do dano ou à pessoa do devedor e, por isso,
induzem à responsabilidade do causador do evento. Somente o fortuito externo, ou força maior, é que exoneraria o devedor,
mas exigiria fato extraordinário, que não se liga à atividade desenvolvida pela empresa por nenhum laço de conexidade (Da
Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências, Saraiva, 1.949, p. 291) o que, não se verifica no caso concreto. Nos dizeres
de Sérgio Cavalieri Filho: “O fortuito interno assim entendido o fato imprevisível e, por isso, inevitável ocorrido no momento da
fabricação do produto ou da realização do serviço, não exclui a responsabilidade do fornecedor porque faz parte da sua
atividade, liga-se aos riscos do empreendimento, submetendo-se à noção geral de defeito de concepção do produto ou de
formulação do serviço. Vale dizer, se o defeito ocorreu antes da introdução do produto no mercado de consumo ou durante a
prestação do serviço, não importa saber o motivo que determinou o defeito; o fornecedor é sempre responsável pelas suas
consequências, ainda que decorrente de fato imprevisível (Programa de Responsabilidade Civil, 10ª ed., São Paulo, Atlas, 2012,
p. 475). Logo, acolher-se esta justificativa colocaria o consumidor em desvantagem exagerada, permitindo o atraso indefinido na
entrega do bem que adquiriu. Por este motivo, o E. TJSP pacificou seu entendimento, por meio da Súmula 161: “Não constitui
hipótese de caso fortuito ou de força maior, a ocorrência de chuvas em excesso, falta de mão de obra, aquecimento do mercado,
embargo do empreendimento ou, ainda, entraves administrativos. Essas justificativas encerram “res inter alios acta” em relação
ao compromissário adquirente”. Assim, não poderia o comprador aguardar sem definição a entrega do bem, e deixar a critério do
vendedor o momento adequado para a conclusão da obra. Qualquer cláusula nesse sentido é abusiva, pois cria vantagem
exagerada e injustificada à construtora e à incorporadora, e fere a boa-fé que deve reger as relações contratuais (art. 51, incisos
IV do Código de Defesa do Consumidor). Logo, as consequências do inadimplemento serão suportadas pelas rés, a quem
caberá, se do interesse, voltar-se contra o causador do dano. Perante o consumidor, no entanto, respondem as requeridas. No
caso dos autos, o contrato previa, expressamente, multa de 10% do valor atualizado do preço de aquisição do lote em caso de
infração a qualquer de suas cláusulas (“Cláusula dezessete Multa Convencional: Se outra penalidade mais específica não for
prevista neste Contrato, a infração de qualquer cláusula deste Contrato sujeitará o infrator à multa equivalente a 10% do valor
atualizado do preço de aquisição do lote, sem prejuízo de a parte inocente exigir, independente e simultaneamente, o
cumprimento da obrigação específica ou, ainda, optar pela rescisão do Contrato na forma acima disposta”). Assim, impõe-se a
condenação das requeridas ao pagamento da multa contratualmente prevista, no valor reclamado na inicial, devidamente
corrigido, pois não impugnado. Em relação ao pedido de restituição dos tributos e despesas condominiais pagos, observa-se
que a Cláusula Onze do Contrato assim dispõe: “Todos os tributos, contribuições e despesas incidentes sobre o imóvel objeto
deste contato, cujos vencimentos ocorreram até a presente data são de responsabilidade da Vendedora/Alphaville. Entretanto,
os que incidirem, ou vierem a incidir a partir desta data, serão de responsabilidade do Comprador, ainda que lançados em nome
da Vendedora, ou de terceiros. Assim, o Comprador se obriga a cumprir, a parte desta data, todas as determinações e exigências
estabelecidas ou que venham a ser instituídas pelas autoridades públicas municipais, estaduais e federais e pelas concessionárias
de serviços públicos, bem como ao pagamento a partir desta data e nas épocas próprias de todas as parcelas vincendas do
IPTU, taxas, contribuições de melhoria ou quaisquer outros tributos que incidam ou venham a incidir sobre o lote, objeto do
presente instrumento ainda que tais lançamentos sejam feitos em nome da Vendedora/Alphaville.” A respeito do tema, o C.
Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento, em sede de julgamento de recurso repetitivo, que o que define a
responsabilidade pelo pagamento das despesas incidentes sobre o imóvel é a relação jurídica material com o bem, representada
pelo exercício da posse, de maneira que, até a efetiva entrega do bem aos compromissários compradores, é a promitente
vendedora quem deve arcar com as despesas sobre o imóvel, incluída o IPTU. Neste sentido: “PROCESSO CIVIL. RECURSO
ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. CONDOMÍNIO. DESPESAS COMUNS. AÇÃO DE
COBRANÇA. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA NÃO LEVADO A REGISTRO. LEGITIMIDADE PASSIVA. PROMITENTE
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º