Disponibilização: sexta-feira, 25 de julho de 2014
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Capital
São Paulo, Ano VII - Edição 1697
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não se desincumbiu do ônus que lhe impõe o artigo 333, inciso I, da Lei Processual Civil, qual o de demonstrar, através de prova
lícita e convincente, “a existência de fato impeditivo, modificativo e extintivo do direito” do Promovente, no caso, que ele não
necessitava, em regime de internação domiciliar, de acompanhamento e assistência por profissionais da área médica e de
enfermagem em período integral, ou seja, 24 (vinte e quatro) horas por dia, e sine die, para que lhe fossem ministrados,
apropriada e adequadamente, os tratamentos e procedimentos recomendados pela seu facultativo. Ora, nenhuma dúvida ou
incerteza remanesce no espírito deste Magistrado no que concerne à imprescindibilidade e à necessidade de o Requerente
propor esta demanda para lograr, às custas da Suplicada, ser internado em sua casa e submetido, ininterruptamente e sem
solução de continuidade, aos tratamentos e procedimentos médicos, clínicos, ambulatoriais, nutricionais, fisioterápicos,
fonoaudiológicos e medicamentosos particularizados e indicados por seu médico, bem assim como de que não restava à
empresa de saúde figurante no vértice passivo da relação jurídico-processual, diante da existência de prescrição médica por
escrito, senão a alternativa (única) de, sem lançar mão de qualquer expedi-ente administrativo-burocrático, emitir a autorização
para a internação domiciliar do Autor, não se podendo deslembrar que o caso em testilha subsume-se aos ditames e princípios
todos de ordem pública - da Lei Federal nº 9.656, de 03 de junho de 1998 e do Diploma Consumerista, o que, com toda certeza,
é ou deveria ser - do conhecimento da Acionada dada a especificidade da atividade econômico-empre-sa-rial por si desenvolvida.
Como não foi assim que se conduziu por mais uma vez -, lídima a iniciativa tomada pelo Promovente de vir bater às portas do
Poder Judiciário para fazer valer o seu direito, até porque não se lhe podia exigir conduta diametralmente oposta, sobretudo
quando se sabe trata-se de fato público e notório nos dias que correm - que praticamente todas as empresas de saúde em nosso país são useiras e vezeiras em inadimplir as obrigações às quais se apalavraram quando da contratação de seus produtos e
serviços, não fugindo a essa regra a socie-dade empresária Itaú Seguro Saúde S/A., contra a qual, diária e semanalmente, são
ajuizadas, não apenas nesta Vara, mas em todas desta Comarca, um sem-número de ações assemelhadas à presente, quase
todas procedentes ao final, de bom alvitre enfatizar. Relevante insistir e repisar que a atitude de descaso, insensibilidade e
abulia da Acionada diante do infortúnio e da desdita de parte significativa de seus afiliados, além de ensejar o ajuizamento de
incontáveis ações judiciais contra si a fim de que cumpra suas obrigações contratuais, também caminha na contramão da
cosmovisão jurídica contemporânea, voltada precípua e primordialmente para a proteção da pessoa humana, com a inevitável
despatrimonialização do Direito mediante a busca de soluções jurídicas mais existenciais e humanas, de modo a que seja
garantida a igualdade substancial dos contratantes, assegurada, entre nós, explícita e genericamente, no artigo 5º, caput, da
Constituição Federal de 1988 e, expressa, difusa e particularizadamente, no inciso XXXII daquele preceptivo constitucional (que
impõe ao Estado o dever de promover a defesa do consumidor diante do fato de a relação de consumo ser marcada pela
desigual-dade) e nos seus artigos 6º, caput (que categoriza a saúde como direito social indispensável à garantia de uma
existência digna), 170, inciso V (que estatui a defesa do consumidor como princípio fundante da ordem econômica) e 196 (que
pontifica que a saúde é direito de tudo e dever do Estado), bem assim como nos artigos 6º, inciso VIII, (que estabelece a
inversão do ônus da prova em prol do consumidor com vistas à facilitação de sua defesa, isso em virtude de quase sempre ser
a parte fraca e vulnerável na relação de consumo), 47 (que dispõe que as cláusulas contratuais deverão ser interpretadas
favoravelmente ao consumidor) e 51, inciso IV (que nulifica as cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada ou que sejam incompatíveis com boa-fé e a equidade) da Lei Protetiva do Consumidor, não se podendo deslembrar
e olvidar dos artigos 122 (que cui-da da iliceidade das cláusulas contrárias à lei, à ordem pública e aos bons costumes, vedando
aquelas que privem de todo efeito o negócio jurídico ou deixem um dos contratantes à mercê do outro), 187 (que define o abuso
do direito de contratar), 421 (que proclama que a liberdade de contratar em razão e nos lindes da função social do contrato), 422
(que dispõe sobre a necessidade de os contratantes observarem, desde a fase pré-contratual até aquela de execução dos
contratos que celebraram, os princípios da probidade e da boa-fé objetiva) e 424 (que trata da nulidade das cláusulas que, por
seu conteúdo, descaracterizam a natureza mesma e os fins de um dado negócio jurídico). Todavia, não obstante toda essa
clarividência e discernimento não apenas do legislador ordinário e constituinte, mas, outrossim, de nossa jurisprudência,
inclusive da do Superior Tribunal de Justiça STJ, ainda se nos deparamos com uma forte resistência da parte de número
expressivo de empresas fornecedoras de produtos e serviços em assimilar essa nova cosmovisão jurídico-legal, numa
demonstração de que ainda não é possível aos seus responsáveis e dirigentes intuir, perceber e vislumbrar os efeitos deletérios
e nefastos do processo de globalização econômica nos âmbitos e nas esferas individual e coletiva, sobrelevando o aumento
ostensivo do abuso do poder econômico das grandes corporações e conglomerados financeiros e empresariais nacionais e
transnacionais, que timbram e primam, no desempenho e exercício de suas atividades empresariais em fazer tabula rasa dos
preceitos e princípios constitucionais e infraconstitucionais especificados no parágrafo precedente, abusando também do seu
direito de contratar os produtos e serviços que comercializam no mercado de consumo, malferindo os prin-cípios da equidade,
da probidade e da boa-fé objetiva, com o que, não raras vezes, coloca o consumidor, via de regra a parte fraca, vulnerável e
hipossuficiente (quer na ótica técnico-jurídica, que na perspectiva econômico-financeira) na relação consumerista, em situação
de vantagem exagerada, isso em decorrência da situação de onerosidade excessiva com a qual se confrontam após a
contratação dos ser-viços e produtos colocados à venda por aqueles conglomerados e corporações. Como transparece,
impunha-se, ante a atitude in-justificada e desarrazoada da Requerida, quer do ponto de vista contratual, quer na perspectiva
legal e constitucional, de recusar-se a manter, a suas expensas, a internação domiciliar do Autor para continuidade, junto a seus
entes queridos, do tratamento de seu quadro clínico gravíssimo, repise-se -, impunha-se a pronta interven-ção do Estado-Juiz,
mormente para que fosse imediatamente restabelecida a comuta-tividade do pacto firmado entre as partes desavindas, tendo
por objeto o seguro de assistência à saúde ao qual aderiu o Demandante há mais de 20 (vinte) anos, cuja situação de
desvantagem e vulnerabilidade frente ao poderio econômico da Supli-cada ficou demonstrada já no limiar e nos umbrais desta
causa. Importante obtemperar, neste ponto, que, sem em-bargo de esse plano de saúde ser disponibilizado no mercado
consumidor por pessoa jurídica de direito privado, portanto pela iniciativa privada, o seu objetivo e desiderato basilar é garantir
e propiciar a mais ampla e profícua cobertura de um serviço público - de assistência e preservação da vida e da saúde do ser
humano - que, a despeito de constituir direito fundamental assegurado e garantido pela Lex Funda-mentalis a todos os brasileiros
e estrangeiros residentes no país, é ineficiente e deficitariamente prestado pelo Poder Público, o que, de resto, é, desafortunada
e tragicamente, público e notório. Na esteira dessas considerações, justificável e im-perioso o controle jurisdicional da liberdade
contratual, com a proibição rigorosa de práticas e atos perpetrados pela iniciativa privada que confrontem e contrariem o
interesse público e que se corporificam em cláusulas limitativas e de exclusão de cobertura de tratamentos médico, ambulatorial,
hospitalar, cirúrgico e medicamentoso aos conveniados e segurados de planos e seguros privados de assistência à saúde,
intervenção que, hodiernamente, ante a inconteste e inquestionável relativização dos princípios da autonomia da vontade e da
intangibilidade dos contratos, acima de tudo com a sobrevinda da Lei Protetiva do Consumidor e do novel Código Civil. Nunca
se pode perder de vista, por razões mais do que óbvias, que a vida é, inelutavelmente, o bem jurídico de maior relevância pa-ra
toda pessoa humana, dependendo a sua boa qualidade do resguardo e do cuidado efetivo de sua saúde, o que, em nossa
pátria, via de regra, só se consegue através dos indigitados planos e seguros. O Suplicante se inclui a rol entre aqueles cidadãos
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