Disponibilização: Quinta-feira, 2 de Dezembro de 2010
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte I
São Paulo, Ano IV - Edição 845
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1.807/03 encontram-se no âmbito na discricionariedade do poder público, e, apesar do princípio da razoabilidade agir como um
limite à discrição na avaliação dos motivos, não se verifica, na hipótese, uma manifesta inadequação e impertinência na
implantação da praça de pedágio a ensejar a declaração da inconstitucionalidade da lei municipal por infração ao princípio da
razoabilidade. Destarte, não há que se falar na anulação da concorrência pública n° 04/05 e do contrato de concessão dela
decorrente e, por conseguinte, na condenação dos réus no ressarcimento dos usuários que pagaram a tarifa do pedágio.
Também é improcedente a pretensão da condenação dos réus na obrigação de não fazer, consistente em não exigir dos usuários
da Rodovia José Maria Albuquerque nenhuma tarifa pelo uso da estrada até o integral recapeamento da pista, adequada
sinalização e pavimentação do acostamento. Isso porque o laudo pericial (fls. 942/968, autos n° 175/07) concluiu que a rodovia
encontra-se sinalizada e recapeada, não havendo, ademais, previsão contratual de pavimentação do acostamento. Por fim, a
tese da abusividade do valor da tarifa, exposta na inicial dos autos n° 468/06, é procedente. Senão vejamos. Alega o autor que
não houve qualquer estudo prévio para a cobrança da tarifa no valor de R$ 2,00, o qual é abusivo em comparação à base
tarifária quilométrica fixada pela Secretaria de Estado de Transportes e adotada pelo Governo Estadual para a fixação do preço
do pedágio das rodovias estaduais em situação semelhante à rodovia vicinal em questão, e que, se adotada, autorizaria a
cobrança de valor inferior da tarifa do pedágio. Aduz que tal conduta viola o princípio da modicidade do valor da tarifa, previsto
no art. 6°, §1°, da Lei n° 8.987/95, além de caracterizar prática abusiva vedada pelo Código de Defesa do Consumidor. A
incidência do Código de Defesa do Consumidor à hipótese dos autos é indiscutível. O art. 3° deste código incluiu no rol dos
fornecedores a pessoa jurídica pública e, por via de conseqüência, todos aqueles que em seu nome prestam serviços públicos,
sendo que o art. 22 contemplou os serviços públicos, prestados diretamente pelos órgãos públicos ou pelas empresas
concessionárias, ao dispor que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer
outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais,
contínuos.” Deve-se diferenciar os serviços públicos em uti universi, quando colocados à disposição de toda a coletividade, caso
em que são remunerados por impostos, a exemplo do que ocorre com a segurança pública, saúde, educação, etc, e em uti
singuli, quando os usuários são determinados ou determináveis e remunerados por taxas ou tarifas, como os serviços de
telefone, água e energia elétrica. Estes últimos podem ser prestados diretamente pelo poder público ou através de empresas
privadas, nos casos de concessão ou permissão, conforme prevê o art. 175 da Constituição, hipótese em que sua utilização é
facultativa e a remuneração ocorre através de tarifa, tal como ocorre com o pedágio. São regidos pela Lei n° 8.987/95, que
disciplina a concessão e permissão de serviços públicos. E o art. 7°, caput, desta lei, ao relacionar os direitos e obrigações dos
usuários, ressalva as disposições do Código de Defesa do Consumidor, estabelecendo que “sem prejuízo do disposto na Lei nº
8.078, de 11.09.90, são direitos e obrigações dos usuários: (...)”. Assim, a relação entre o Município de Tabapuã e a concessionária
requerida com os usuários da rodovia vicinal José Maria Albuquerque, no que concerne, especificamente, ao valor da tarifa do
pedágio, está sujeita às normas do Código de Defesa do Consumidor. Pois bem. O art. 6° do Código de Defesa do Consumidor
relaciona os direitos básicos do consumidor, dentre os quais se destacam, no que interessa à hipótese dos autos, os especificados
nos incs. V e VIII, quais sejam, a possibilidade de alteração de cláusulas contratuais e a inversão do ônus da prova,
respectivamente. O art. 6°, inc. V, do CDC permite “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações
desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”. A possibilidade a
modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais decorre dos princípios da boa-fé e do
equilíbrio (art. 4°, inc. III), os quais nada mais são que uma manifestação do princípio constitucional da isonomia (art. 5°, caput,
CF). A primeira hipótese da norma legal trata da desproporção instituída com a celebração da avença e que afeta, desde o
início, o equilíbrio do contrato, colocando o consumidor em situação de desvantagem na relação jurídica contratual. O art. 51,
inc. IV do mesmo código, por sua vez estabelece que “são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas
ao fornecimento de produtos e serviços que: V - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o
consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”. Por uma interpretação sistemática
das normas que protegem o consumidor, conciliando-se ambos os dispositivos legais, ao se deparar com uma cláusula contratual
em que vigora a desproporcionalidade das prestações, ao invés de declará-la nula de pleno direito, pode o magistrado intervir
na economia interna do contrato e modificá-la, visando à restauração do equilíbrio contratual. Desta forma, o contrato fica
mantido, com o restabelecimento do equilíbrio das partes contratantes. Transportando esta idéia para a hipótese dos autos, a
redução do valor da tarifa do pedágio, desde constatada sua abusividade, ao invés de provocar um desequilíbrio econômicofinanceiro no contrato de concessão, como alegado pela concessionária em contestação, restabelece a equidade necessária
entre as partes contratantes. O pedido de redução do valor da tarifa do pedágio encontra, pois, perfeita adequação legal. No que
tange à inversão do ônus da prova, dispõe o art. 6°, inc. VIII, do CDC, como direito básico do consumidor, “a facilitação da
defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for
verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. A possibilidade de
inversão do ônus da prova é outro aspecto dos princípios do equilíbrio e da equidade que permeiam todo o sistema consumerista.
O conceito de verossimilhança é indeterminado e deve ser aferido no caso concreto, de acordo com o conteúdo persuasivo da
petição inicial em cotejo como os elementos probatórios existentes nos autos. A hipossuficiência, por sua vez, relaciona-se
como o monopólio da informação e, segundo o ensinamento de Rizzato Nunes, é o “desconhecimento técnico e informativo do
produto ou serviço, de suas propriedades, de seu funcionamento vital e/ou intrínseco, de sua distribuição, dos modos especiais
de controle, dos aspectos que podem ter gerado o acidente de consumo e o dano, das características do vício etc” (in “Curso de
Direito do Consumidor”, 4ª edição, pg. 782). Em outras palavras, a hipossuficiência não decorre da situação econômica, da falta
de recursos do consumidor, mas da dificuldade técnica na produção da prova. No caso em questão, estão presentes tanto a
verossimilhança das alegações como a hipossufiência a autorizar a inversão do ônus da prova. Insta constar que os requeridos
foram advertidos dessa possibilidade, conforme decisão de fls. 1.026 dos autos n° 175/07, que determinou sua intimação para
que se manifestassem sobre a produção de outras provas acerca do valor da tarifa do pedágio, tendo a concessionária requerido
expressamente o encerramento da instrução processual, conforme manifestação de fls. 1.036. A verossimilhança das alegações
decorre da narrativa da petição inicial e é evidenciada pela manifesta desproporção entre a base tarifária quilométrica fixada
pelo Governo do Estado de São Paulo para rodovias de pistas simples e o valor estipulado pelo Município de Tabapuã por
quilômetro concedido sem qualquer estudo prévio, o que ensejou a concessão da liminar para a redução do valor da tarifa de R$
2,00 para R$ 0,60. Com efeito, verifica-se que o valor da base tarifária quilométrica cobrada na rodovia vicinal José Maria
Albuquerque - obtida pela divisão do valor da tarifa (R$ 2,00) pela quilometragem objeto de concessão (8,1 Km) - é de R$
0,24691, ao passo em que, no mês de julho de 2006 - data em que a praça de pedágio em questão entrou em funcionamento - o
valor da base tarifária quilométrica das rodovias estaduais de pista simples era de R$ 0,07383 (fls. 679, autos n° 468/06). Ou
seja, o valor da tarifa de pedágio cobrada pela concessionária Via Tabapuã na rodovia vicinal José Maria Albuquerque, quando
de sua implantação - julho de 2006 - era 334% superior à cobrada por concessionárias em rodovias estaduais com características
semelhantes. Considerando-se o valor atual da base tarifária quilométrica estadual praticada nas rodovias de pistas simples Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º